Nicolau Saião

     Nicolau Saião é o pseudónimo literário/artístico de Francisco Ludovino Cleto Garção, nascido em Monforte do Alentejo no ano de 1946 e residente em Portalegre desde os três anos. Exerceu as profissões de meteorologista, jornalista e escriturário. Actualmente é o funcionário responsável do Centro de Estudos “José Régio” de Portalegre.

     Empenhado civicamente antes e depois do “25 de Abril”, teve o seu trajecto condicionado pelo antigo regime. De orientação democrática e libertária, foi também um resistente através da sua escrita e da sua acção, mas sem obrigatoriedade partidária ou de escola literária. Tem colaboração em jornais nacionais (“República”, “Diário de Lisboa”, “O País”, “Sporting”, “Espaço Médico”,  etc.) e regionais (“Jornal do Fundão”, “O Distrito de Portalegre”, “A Nossa Terra”, “Jornal de Paços de Brandão”, “Correio Beirão”, “Jornal de Queluz”, “Correio de Elvas”, “Diário do Sul”, “Notícias de Elvas”, “O Zurão”...).

 

     Poeta, pintor, publicista e actor/declamador, concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens” (Rádio Portalegre), que entrou para oranking dos programas mais ouvidos das rádios regionais, e onde entrevistou personalidades como: José Bento, António Luís Moita, Rui Mário Gonçalves, Fernando Vendrell, José Manuel Anes, Diniz Machado, José do Carmo Francisco, etc..

 

     Tem colaborado em revistas e jornais literários e artísticos, tais como “Ler”, “Colóquio-Letras”, “Apeadeiro” “Sílex”, “Célula Cinzenta”, “A Cidade”, ”Bicicleta/Mandrágora”, “Bíblia”, “Ciclo Cultural”, ”Jornal de Poetas e Trovadores”, ”Callipole” “Podium”, ”A Xanela”(Betanzos), “Abril em Maio”, “DiVersos” (Bruxelas), “Albatroz” (Paris), “Artes & Artes”, “Mele”(Honolulu), “Ave Azul” , “Espacio/Espaço Escrito”(Badajoz),etc.

    

     Como pintor participou em mostras de Arte Postal em diversos países (Espanha, França, Itália, Polónia, Canadá, Estados Unidos, Austrália, Mali, etc.), além de ter exposto individual e colectivamente em diversas localidades. Organizou, com Mário Cesariny e Carlos Martins, a exposição “O Fantástico e o Maravilhoso”, tendo traduzido diversos autores incluídos no livro-catálogo; e, com João Garção, a mostra de mail-art “O futebol”.

 

     Está representado em diversas antologias (“Palavras - Sete poetas portugueses contemporâneos”, “Poetas alentejanos do século vinte”, “O desporto na poesia portuguesa”, “O trabalho”, “Poemabril”, “Homenagem a Torga”, “Poemas para  Lorca”, “Millenium”, “Série Poeta”, “Poetas e Escritores da Serra de S. Mamede”...).

     

     Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”(Editorial Caminho).

 

     Livros, além do citado: “Flauta de Pan”(Ed.Colibri), “Os olhares perdidos”(Universitária Editora), “Assembleia geral”(edição Bureau Surrealista Alentejano), “Os labirintos do real” – com Carlos Martins (idem), “Passagem de nível”- teatro (edição do autor, patrocinada pela Região de Turismo de S. Mamede).

     Em preparação: “Cantos do deserto” (poemas relacionados com o deserto de Tabernas, Almeria), “As vozes ausentes”(crónicas), “As estrelas sobre a casa”(teatro), “Em nós o céu”(policial) e “Nigredo/Albedo – o livro das translações”(a sair Black Sun Editores).

     Tradução: “Vestígios” de Gérard Calandre (edição Bureau Surrealista Alentejano com prefácio de Ruy Ventura) e “Fungos de Yuggoth”, de H.P.Lovecraft ( Black Sun Editores), poemas avulsos de E.A.Westphalen, Pierre Grenier, Jacques Tombelle, Vincenzo Quillici, Jules Morot, Benjamin Péret, Marcel Delpach, Philip Jose Farmer, Juan Ribeyrolles, Léopold Senghor, Carlos Alvarez, Salvador Espriu, Nicolas Guillén, Pierre-Albert Birot etc., além de textos poéticos de índios apaches, cheyennes, algonquins e lakotas.

     Proferiu conferências e palestras sobre arte moderna, poesia, literatura de mistério e os índios norte-americanos em Portalegre, Almada, Leiria, Lisboa, Ponte de Sôr, Montargil, Serpa, Madrid, Roma, Badajoz, Paris, Ciudad Real, Bruxelas e Toronto. Prefaciou “Extravagários”, de Nuno Rebocho e fez posfácio para livro de Ruy Ventura em preparação.

     Em 1992 a Câmara da sua terra natal outorgou-lhe a designação de cidadão honorário de Monforte. Por seu lado, a gerência do município portalegrense atribuiu-lhe em 2001 a medalha de prata de mérito municipal, por ocasião da homenagem que lhe foi feita relativa a trinta anos de actividade cívica e cultural.

     Com Ruy Ventura e João Garção coordena o suplemento cultural FANAL, publicado no semanário “O Distrito de Portalegre”.


ALGUMAS OPINIÕES SOBRE O AUTOR

     “NS entrega-se aos versos e nos versos em total coerência com o homem vulcânico, inquieto e inquietante que é: de sete vidas, como os gatos, e como eles tão capaz de suavidade e de ternura como de garras terrivelmente afiadas. É por isso que a sua poesia se nos oferece simultaneamente carregada de memória e visionária, simultaneamente de escuta e de adivinhação .”

António Luís Moita

     “Leio-te sempre com gosto. Os teus poemas são sempre surpreendentes: a riqueza de imaginação, a desconstrução verbal, a singeleza e a contenção que todavia  se envolvem numa arquitectura fulgurante. Se eu pudesse, dizia a toda a gente: leiam-no, não sabem o que andam a perder!”

Carlos Martins

     A leitura do seu livro proporcionou-me um par de horas de muita satisfação.”

Agostinho da Silva

     “(...) os outros como presenças/subtraídas aos minutos às coisas à distância/que apenas solidifica o silêncio/como numa certa tarde de fevereiro entrando/por entre os livros   palavras e passos contados/até tocar o interior de uma estrada/olhar poesia/como a melancolia trazendo de dentro as próprias imagens que a sabem/construir sobre os alicerces de um texto/ao mesmo tempo/luz e interpretação da luz.”

Ruy Ventura

     “A diversificada e sempre imprevisível expressividade de Nicolau Saião está bem na linha de uma construção poemática que, sendo de clara vocação expansiva e transfiguradora, sabe encontrar os limites da sua contenção, que, não raro arriscando-se em voos pelo insólito ou por uma aparente desorbitação de sentidos, sabe defender a sua coerência interna e, acima de tudo, o primado da qualidade.”

 

 

BREVE RELANCE SOBRE A MÚSICA

 

   A música, imagem da alma, como referiu com propriedade Frederich Herzfeld, tem sido uma segura acompanhante do Homem embora só tardiamente o tivesse sido da sociedade. Com efeito, se nos lembrarmos que a primeira escola de música – ainda estabelecida em termos muito artesanais – foi criada em mil e nove por Saint-Gall e que o primeiro público musical (ou seja, reunido com o fito de ouvir a música por si mesma) só começou a existir no ano de 1725, com a criação por Philidor dos chamados “concertos espirituais”, começaremos a perceber que, como uma âncora profundamente fixada no mar societário, a música enquanto fenómeno ou, para dizer doutra maneira, a música enquanto entidade criadora de acontecimentos partilhados por milhares ou por milhões é um dado relativamente recente, tanto mais que os meios técnicos de difusão só neste século se tornaram uma presença quase absoluta.

   Nos dias de hoje, em que vivemos rodeados de sons e de timbres organizados de forma lógica (e relembro que foi somente no séc. XVIII, com Mozart, que o timbre começou a ser utilizado de modo significativo e criativo) é-nos difícil entender quanto a música estava afastada das grandes massas populares como fruição habitual e quotidiana. Como refere apropriadamente Konrad Riemann, para o geral da população havia, nos dias de semana, as frases musicais ritmadas ao jeito de pequenas canções que sublinhavam o trabalho feito ou a fazer; no domingo era a canção entoada quando havia festas mas, acima de tudo, a presença do canto religioso, frequentemente expresso mediante a monódia gregoriana.

   Antes disso – e a memória mais afastada vai só até 40 mil anos, documentados no fresco de Ariège, na gruta dos Três Irmãos em França – a música seria um sublinhar de fastos mágicos ou ritos religiosos, pois era coisa de deuses e de alguns homens que se haviam subtraído ao seu presumido controle.

   A música era apanágio do mago, do sacerdote ou do monarca, fracção espiritual que proporcionava um contacto directo com as divindades e os seus áulicos.

   Contudo, no nosso tempo a música espalhou-se pelo imaginário, dando azo a muitas figurações sociais, políticas e psicológicas. Goebbels, por exemplo, com a sua fina intuição de patifório esclarecido, conhecia bem o peso que tem, ante os basbaques, o desfilar dum cortejo precedido duma poderosa charanga e fez disso um uso infernalmente manipulador. Também os nossos meios de comunicação de massas manejam bem esta matéria: repare-se na forma psicologicamente bem estudada com que nos bombardeiam os ouvidos, repetindo até à saciedade temas de sucesso (as mais das vezes de pouca qualidade) entoados por vedetas primárias que eles próprios criam. Aliás, o consabido ambiente musical dito ligeiro dispensa-me de maiores comentários.

   Seja a música – como alguns pretendem – uma variante da linguagem ou, como outros defendem, a abstracção da linguagem levada às últimas consequências, a verdade é que constitui um dado incontornável do nosso tempo. É, em suma, um dos componentes do grande imaginário actual para além de ser, nos casos mais exemplares – como por exemplo em Bach, Mozart ou Schubert – talvez um sinal com que a “música das esferas” chega até nós para nos dar testemunho profundo do rosto secreto da eternidade.

 

Nicolau Saião

do livro “As Vozes Ausentes” (Editora Escrituras - São Paulo, Brasil)

 

Nota – O autor deste texto, por decisão lúcida e patriótica, não segue os preceitos do chamado “acordo ortográfico”.